Meu pai era um homem de ditados. "Me diz com quem andas que direi quem tu és". Ouvi isso muitas vezes quando ele reprovava alguma amizade, alguma companhia. Com o passar do tempo, aprendi a valorizar a sabedoria do meu pai. Sabedoria esta que na época, muitas vezes, me revoltava. Meu olhar era de filha, e não de pai. Pais, além da sabedoria, têm olhar radiográfico. São capazes de fazer leituras, captar e detectar sinais pelos gestos, pelos sorrisos, pelo jeito do olhar. Ao longo do tempo, também aprendemos e, por incrível que pareça, passamos a agir como nossos pais. Meu pai era um homem de palavras fortes, sem papas na língua - direto até demais. As palavras, muitas vezes, tinham tanta aspereza que arranhavam o coração de quem as ouvia. Era o seu jeito de ser, verdadeiro. Enfático. Convincente. Ele também sempre foi exigente nos valores pessoais. "A maior herança que eu vou deixar para vocês é a honestidade", dizia sempre que podia. "Nunca irão se envergonhar de serem filhos do Bonifácio". Assim foi. Assim é.
Quem o conheceu, quem foi freguês da Mercearia Bonifácio, desde a Avenida Rio Branco até a Dr. Bozano, que depois passou a se chamar Ângelo Uglione, só tem elogios ao seu jeito verdadeiro, sincero, transparente e forte. Com ele não havia meias palavras. Comigo, dizia ele "não tem tetê pra dizer Tenório e nem gregrê pra dizer Gregório". Sua verdade era inquestionável. Herdei muito deste jeito de ser, apesar da grande semelhança física com minha mãe.
A criação que tive e que levei adiante na dos meus filhos e, até em sala de aula, como professora, passa, atualmente, por um grande conflito. Muitas vezes, tenho a sensação de que aterrissei em outro planeta ou saí do túnel do tempo. Os valores verdadeiros que aprendi estão sendo questionados ou estão fora de moda. Demodê para ser mais condizente! A capacidade de distorcer fatos, dar veracidade à mentiras deslavadas e esconder evidências virou praxe e enche os noticiários todos os dias. A coerência deixou de ser um atributo de valor.
O comum passou a ser dançar conforme a música. Se deixar levar ao sabor do vento, mas do vento que traga benefícios pessoais.
A sociedade está vivendo tempos doentes, uma pandemia de distorção de valores. Uma pandemia devastadora. Os agentes patogênicos desta contaminação se criaram, cresceram e se desenvolveram silenciosamente, com uma virulência altamente contagiosa, capaz de criar legiões de infectados. A infecção provoca a cegueira e a obsessão. Os antídotos capazes de debelar o vírus são continuamente desqualificados e desconsiderados, levando ao descrédito a sua eficácia. Neste cenário de grave doença social, a empatia, a liberdade, a coerência, o respeito, o amor, o direito, a igualdade, a sustentabilidade, a honestidade, a transparência, a educação, a cultura, a diversidade, a ética perdem espaço dia a dia, esgotando nossa esperança de um mundo mais justo, mais igualitário e mais sustentável. Sejamos resistência!!